Natural de Ponta Delgada, António Pedro Lopes cresceu na freguesia dos Arrifes, concretamente na Avenida João Paulo II. Uma freguesia “rural, muito religiosa, contudo, sempre tive uma ligação muito direta à cidade de Ponta da Delgada porque foi aí que estudei”, conta-nos.
Estudou na Escola do Carvão, na Canto da Maia, no Liceu. Diz que “sempre fui mais o menino da cidade do que menino da freguesia dos Arrifes”. Das suas brincadeiras de criança, recorda o brincar na rua com os vizinhos, “de ter os amigos da rua, das festas do Espírito Santo, das festas religiosas da Saúde, de brincar nos pastos, de ir apanhar amoras. Era um hábito muito forte, ia com o meu irmão e com o meu pai, levávamos baldes e um pau de vassoura com um prego para desviar as silvas, depois a minha mãe fazia o doce de amora”, lembra com nostalgia. Também recorda os “verões que nunca mais acabavam, dos dias que terminam às dez da noite, o ir à praia todos os dias, à piscina municipal em Ponta Delgada...”.
Aos 16 anos parte para Santa Fé, no Novo México, EUA, no âmbito do programa AFS Estudar um Ano no Estrangeiro. Explica que “fui estudar teatro musical porque na adolescência tinha esse desejo ou sonho de ser ator, artista. Esse ano mudou a minha vida porque era uma escola tipo ‘Fame’ (série televisiva americana dos anos 80), com aulas de dança, de canto, de representação e depois com uma abordagem muito ‘mãos na massa’, ou seja, não só tínhamos aulas, mas como empregávamos o conhecimento em produções, em espetáculos. Isso me fez sair muito cedo de casa e descobrir os Estados Unidos. Foi quase o primeiro grande ritual iniciático para a vida adulta que me lembro de ter”.
Depois disso, ficou claro que tinha que continuar a estudar arte, teatro e dança. Após esse ano nos EUA, António Pedro Lopes foi para a Universidade de Évora, onde se licenciou em Teatro. Conta que foi um “choque fazer essa transição. Évora era o oposto dos EUA, em termos de abordagem e de mundo artístico”. Diz que “uma coisa que foi fundamental para mim foi, vindo de um lugar que era multidisciplinar - o teatro musical - descobri em Évora, na Companhia de Dança de Évora, a dança contemporânea, que é também muito multidisciplinar e que emprega várias dimensões, não só a coreografia, a voz, o corpo, a representação. Enfim, é uma disciplina muito aberta, com muitas tendências diferentes e que para mim foi super importante”.
Refere que foram anos de criar “muita comunidade, de experimentar muito, de trabalhar com quase todos os artistas daquela cidade e continuar procurando aquilo que queria fazer”. Isso levou-o a estudar em Nova Iorque durante um semestre: “Fui estudar dança com uma coreógrafa, Trisha Brown”. Realizou também vários outros programas como o Erasmus em Milão; o Leonardo da Vinci em Paris. Afirma que foram anos muito importantes porque foram de estudo, mas também “de experimentação, de procura e de procurar unir partes de mundos diferentes que hoje em dia ainda estão muito presentes em mim”. Ora, “todas estas experiências formaram a pessoa que sou, o agente que sou e o papel que tenho nos projetos, nas organizações e, se calhar, também como cidadão”.
Na ocasião, vinha esporadicamente a São Miguel, nos natais, na Páscoa, mas nunca pensou em regressar porque havia ainda muito por explorar e descobrir nas artes. Para prosseguir o seu caminho, António Pedro Lopes afirma que teve sempre o apoio da sua família: “Venho de uma família de classe média, de uma família trabalhadora, de uma família que me apoiou para estudar artes. A verdade é que, com esse apoio, com o caminho que fui trilhando, com as pessoas que fui encontrando, acho que tenho que falar de privilégio. Eu fui muito privilegiado... Sou uma pessoa que teve os pais que pagaram esses estudos e que se comprometeram com comigo, com o meu irmão, e que depois deram liberdade para cada um fazer o seu caminho”.
Foi trabalhando aqui e ali como artista, como intérprete de dança contemporânea, como organizador de projetos, curador, etc. e só mais tarde é que “senti um desejo de voltar a ligar-me à minha terra. Não foi saudade. Foi sentido de missão, de querer estar presente e ter alguma coisa para dar a este lugar onde nasci e que amo até à morte (...)”.
Ao longo dos anos trabalhou entre artistas portugueses e estrangeiros. Relativamente à curadoria e à direção artística, “houve um momento muito importante para mim que foi depois de ter feito o curso do Fórum Dança, um curso de pesquisa e criação coreográfica, nesse ano, também trabalhei com dois coreógrafos portugueses, o João Feder e o Miguel Pereira, e recebi a Bolsa Europeia para a Dança Contemporânea, que é no Festival Impulse Dance, em Viana”. Foi lá que passou um mês, “tínhamos a mentoria de dois artistas, Mathilde Monnier e Loic Touzé, para um acompanhamento de formação em dança”. Foi aí que se conectou com uma comunidade de pessoas de todo o mundo que “estavam ali na mesma situação que eu (...)”.
Depois disso, “decidimos que queríamos continuar a encontrar-nos e isso levou à criação de uma rede internacional de artistas e trabalhadores da cultura que se chama Sweet & Tender Collaborations, que ainda hoje está viva. (…)”.
Adianta que começou essa atividade pela “necessidade de criar contexto de jovens artistas pouco apoiados pelas instituições e que também não se alinhavam com os limites que as programações dos teatros e dos festivais tinham (...)”. Confessa que foi “uma absoluta revolução na minha experiência com o trabalho, até porque me aportou ideias muito fortes que resistem até hoje e que me vejo continuamente a dizer. Uma das quais é ‘Se tenho um contexto, se tenho um espaço de trabalho, posso criar ou posso abrir espaço para outro’”, sublinhou.
Não gosta de falar em dificuldades, prefere falar em sorte, porque barreiras há muitas, “nomeadamente a precariedade constante que atravessa quem trabalha nestas profissões. Uma espécie de desafio constante de resiliência, de sobrevivência, de resistência, de reinvenção”, referiu para frisar que “não é um caminho fácil, não tem um guião muito estabelecido. Muda muito, é cheio de desafios que são estruturais e que têm a ver com a ligação ao sistema, com as questões dos financiamentos, com as questões laborais, com as questões políticas”.
Diz ainda que “fui trilhando um caminho que me foi dando âncoras, rede, pessoas”. Por outro lado, também percebeu que “quando sentia que determinado contexto não me oferecia aquilo que precisava, tinha as ferramentas para inventar um lugar para mim naquele contexto”, sublinhando ainda que “o bonito é que esse processo de invenção de um lugar para si mesmo, é um processo coletivo. Fi-lo em colaboração com outras pessoas, fi-lo pelos afetos, pelas conversas, pelos encontros, também pelos tropeções da vida, mesmo não sabendo onde é que isto tudo vai dar, mesmo sabendo que o caminho é incerto e mesmo não sabendo o que estamos a fazer completamente. Portanto, quase que um acordo de aprender fazendo e ir descobrindo porque se decide começar esse caminho”.
António Pedro Lopes é um dos rostos do Festival Tremor que conta com mais de dez anos de existência. Um festival que disse ser “fruto do encontro com pessoas que se tornaram amigos e cúmplices. Um festival que tem crescido, que tem expandido, mudado e segue o espírito do tempo. É um projeto que não sendo perfeito, procura um compromisso constante e renovado com o lugar onde acontece e com as pessoas desse lugar, seja a contar a história, seja a permitir e a criar a estrutura para que aquilo aconteça. É um projeto que se confunde comigo. É maior do que nós. Ele é vivo, ele treme, ele é vibrante (…)”.
Questionado sobre os sonhos que gostava de ver concretizados, António Pedro Lopes começa por dizer que “só há pouco tempo é que olho para o meu percurso e reconheço o valor, o carinho. Nunca me senti muito ligado no passado. Aliás, sofria de estar no presente mas sempre a preparar o futuro. Isso mudou depois de ter sido diretor artístico da candidatura de Ponta Delgada a Capital Europeia da Cultura”, esclarecendo que “mais do que estar obcecado pelo futuro, estou em radical compromisso com o presente e a aproveitar o momento em que estou”.
Então, “acho que o meu sonho, para já, não é dizer continuar, mas é estar atento aos sinais, às urgências, às necessidades do mundo em transformação e de como é que as práticas artísticas, os contextos, as comunidades temporárias que eu proponho, ‘conversam’ com esse mundo em mudança, com esse mundo em crise”. Portanto, “é trabalhar neste domínio, seja a fazer programas, seja a dirigir festivais, projetos, a trabalhar junto de artistas, a estabelecer novas relações com outras comunidades. Poder contar histórias e, se possível, que esse processo seja também um processo de transformação, de melhoria, de justiça”, finalizou.