Para Vera, regressar à terra onde nasceu é uma sentença. 12 anos se passaram desde que, sem esperança numa vida condigna em São Miguel, pegou nos seus dois filhos menores ( uma menina com 9 anos e um menino com 4) e foram, de malas e bagagens, para o aeroporto João Paulo II. Destino: uma vida melhor, ao lado do seu marido, que meses antes tinha ido tentar a sua sorte para os Estados Unidos da América, a terra das oportunidades. 12 anos depois desse dia em 2013, a terra das oportunidades fechou-se para a família Ponte, que sem conseguir-se legalizar-se, sai pelo próprio pé, antes que a mão da política anti-imigração ilegal da Administração Trump os apanhe. Esta é a história de uma família açoriana, uma entre muitas que regressaram nos últimos meses, ou preparam-se para o fazer nos meses que seguem.
“Na altura, e ainda hoje, Portugal, nós sabemos como é que funciona. Eu não tinha trabalho, o meu marido não tinha trabalho, nós tínhamos uma casa para pagar, dois filhos para sustentar, e realmente era uma situação muito difícil”, conta Vera, num português perfeito, onde a pronúncia da Costa Leste desponta e alguns termos ingleses vão saindo.
Emigrar era, portanto, a única saída para a família Ponte. Na altura com 30 anos (e o marido 34), Vera não encontrava trabalho no ramo da hotelaria e restauração e o marido, pedreiro, não via futuro na construção civil. Ele foi à frente: uma experiência mal sucedida em Lowell quase o fez voltar para os Açores, mas uma segunda tentativa convenceu-o: era ali que a sua família ia ter um futuro.
Três meses depois, chegou o resto da família, a um local onde não tinham qualquer ligação, qualquer contacto, nada. “Com um visto de 90 dias”, diz Vera, e sem saber que estava a infringir a lei. “O que muitas pessoas não entendem é que a América dá muita facilidade aos imigrantes, ou dava, agora não. Mas você podia fazer tudo como fosse um cidadão americano”.
Tudo, desde ter um seguro de saúde, inscrever os filhos menores em escolas, trabalhar. Vera começou no house cleaning, pois o trabalho de limpar casas permitia conciliar com os horários da escola dos filhos, enquanto o marido continuou na construção civil.
A vida custa em qualquer lado, mas ali, em New Bedford, Estado de Massassuchets, a vida parecia custar menos para a família Ponte. Os dias transformaram-se em meses, os meses em anos, e a angústia de um futuro sem horizonte deu lugar a um sonho, o sonho americano.
“Nós criamos raízes aqui. Éimportante dizer que nunca estivemos integrados na comunidade portuguesa. Todos os meus contactos são de pessoas americanas, nascidas aqui.
Nós estamos bem relacionados na comunidade americana, mas nós não conseguimos ter documentos de maneira alguma. Nós não nos enquadramos em nenhum parâmetro da lei americana para que consigamos ter um cartão de residência permanente ou de cidadania”.
Apenas a filha, agora com 20 anos, poderia, através de um casamento com um norte-americano, pedir um sponsorship, mas levaria 5 a 6 anos a poder fazer o pedido para os pais.
O sonho idílico começou a desvanecer-se em novembro passado. A eleição de Donald J. Trump - “o Mr. Trump” como lhe chama Vera - como 47.º presidente dos Estados Unidos da América trazia consigo a promessa de uma política dura contra a imigração ilegal que, passados seis meses desde que a sua Administração tomou posse, ainda ecoa por diversas cidades norte-americanas, sendo Los Angeles o mais recente caso.
Apesar de ter sido o catalisador da mudança de vida desta família açoriana, Vera partilha da opinião que era preciso fazer um clean up “Foram muitos imigrantes que entraram aqui e a imigração que veio não veio para trabalhar. Vieram pelos benefícios”.
A decisão surgiu após uma conversa com os seus filhos, que foram os primeiros a constatar a realidade: “Mãe, as coisas estão muito difíceis aqui. É hora de irmos para trás”.
A tristeza com que diz estas palavras não é comensurável. “Não foi fácil. Por diversas vezes nós conversámos e pesámos as nossas opções. Porque nós vamos para aí, mas nós não temos nada. A história vai-se repetir outra vez. Uma coisa boa é que os meus filhos agora já são grandes, já podem também resolver a sua vida. Mas, para mim e para o meu marido, custa-nos muito, porque nós aqui conseguimos viver. E aí, nós nem estávamos sobrevivendo”.
A decisão de regressar pôs em marcha um processo de erosão: todos os bens e pertences comprados nos últimos 12 anos, “porque aqui ninguém dá nada a ninguém”, foram vendidos “tudo a preços super baratos, quase dado”. Como se aquela família nunca tivesse ali estado este tempo todo.
Passagens compradas - chegam em julho - falta a burocracia da documentação. À sua espera, uma família que terá de se separar por casas de familiares, nos Arrifes, por não terem conseguido arrendar uma casa, nem emprego.
“Não temos uma expectativa de trabalho, não temos uma expectativa de uma casa onde nós possamos estar com a nossa família toda unida, como estávamos aqui. As rendas aí são horríveis. Parece que estou na América. A mais baixa que eu consegui encontrar foi 1200 euros. Eu consigo pagar isso aqui, mas eu não consigo pagar 1200 euros em Portugal. Isso é muito complicado. Estamos muito tristes”.