“A música é sempre um processo muito longo, exige muito estudo e muita dedicação”

Filipe Furtado. Natural de Ponta Delgada, o músico e compositor foi para Coimbra em 2010 prosseguir os estudos em Jornalismo, mas o ‘bichinho’ pela música esteve sempre presente. Apostou na sua formação musical e há duas semanas lançou o segundo álbum. Diz que atuar nos Açores é sempre especial




Filipe Furtado nasceu em Ponta Delgada, São Miguel, onde viveu até aos 18 anos. A sua vivência na ilha e a nostalgia de nascer num arquipélago, rodeado de mar reflete-se na sua vida atual, “na forma como escrevo, na forma de pensar e das imagens que tenho”, diz-nos o músico e compositor, frisando que “pode ser um cliché de ilhéu, mas a ligação com o mar foi sempre muito importante e o sentimento de uma certa limitação - que às vezes temos - marcou-me muito”.

A viver em Coimbra desde 2010, Filipe Furtado recorda a sua infância, altura em que “passava muito tempo com a minha avó e com o meu avô no Nordeste. Estar com amigos da escola e depois irmos andar de bicicleta para a praia. Uma parte que me marcou muito foi o desporto, nomeadamente o basquetebol, joguei na União Sportiva e quando vou aí tento ir ver os jogos”. Morou no centro da cidade de Ponta Delgada e não se esquece do caminho percorrido entre a sua casa e o “infantário, na rua de Lisboa, com a minha mãe... também o ir nadar para o pesqueiro...”.

A decisão de partir para Coimbra para prosseguir os estudos em Jornalismo não foi tomada de ânimo leva, “tinha esta decisão consciente, dentro das decisões que nos podem mudar a vida. Lembro-me de algumas semanas antes de ir, perceber que seria uma partida”, conta-nos. O que lhe mais custou nessa ocasião foi deixar a família, “por exemplo a despedida da minha irmã que na altura tinha entre 8/9 anos, a do meu irmão também, mas ele tinha uma idade mais próxima. Este afastamento é duro, mas adaptei-me bem a Coimbra e logo depois de lá estar já estava a escrever artigos para o jornal universitário. Adaptei-me demasiado bem que ainda cá estou”, disse com sentido de humor.

A música surge na sua vida cedo, “lembro-me de ver na MTV alguns artistas e de querer fazer o mesmo. Também lembro-me de implorar uma guitarra aos meus pais - que ainda a tenho comigo aqui em Coimbra, apesar de estar toda desafinada, mas tem um valor sentimental enorme e não a consigo deitar no lixo”. Filipe Furtado refere ainda que “não tinha ninguém muito próximo que me ensinasse a tocar, mas tive aulas de música na Escola Canto da Maia e mais tarde entrei para uma escola que existia na zona das Laranjeiras”. Quando chega a Coimbra, apesar de estar “inebriado com a vida jornalística, já procurava uma forma de ter aulas e inevitavelmente, no último ano de licenciatura, já estava certo que precisava estudar música, então, ingressei em jazz na Tone Music School”.

Questionado sobre os desafios que encontrou/ encontra no seu percurso na música, Filipe Furtado diz que são vários: “A música é sempre um processo muito longo, exige muito estudo e muita dedicação. É preciso perceber para onde se vai e o que se quer fazer”, começa por dizer, explicando que quando entrou para o curso de jazz, “tinha uma turma com colegas que já tocavam há muito tempo, ou em filarmónicas ou já tinham algumas noções de improvisação. Tinham, portanto, o ouvido mais desenvolvido”. Para si, “foi difícil, sentia que estava a correr atrás do prejuízo, para tentar melhorar (…)”. Era necessário “tentar perceber como se estudava porque é muita informação, mas com o passar dos anos e quando fiz uma pausa de tocar e comecei a fazer rádio, a ouvir mais música e também comecei a compor, então percebi como estas ferramentas funcionavam, percebi como poderia canalizar esse estudo e orientar a minha prática. A partir daí as coisas ficaram muito mais fáceis e mais orgânicas”.

No que diz respeito a ter de conciliar o jornalismo e a música, Filipe Furtado salienta que “como tive muitas equivalências da Universidade dos Açores, no meu último ano de licenciatura acabei por ter um pouco mais de tempo”. Por outro lado, “foi um ano mais caótico porque a certa altura senti que não estava a fazer nada bem. Estava a terminar o curso e tinha muitas atividades extracurriculares, era diretor de uma revista de estudantes, era uma confusão”, confessa bem disposto. Mas, “conciliei muito no sentido ‘amador’ pois tinha a noção de que não poderia estar numa redação a tempo inteiro quando terminasse o curso, porque sabia que os timings, as nuances da vida jornalística são um pouco contraproducentes com o ter um horário fixo”.

Atualmente e a par da sua carreira na música, Filipe Furtado, está na comunicação da BlueHouse - uma casa de criação construída em torno da música, em Coimbra. Conta com três valências, nomeadamente estúdio de gravação áudio, agência de booking e produtora cultural. Para o músico e compositor “é juntar o útil ao agradável. É a casa onde gravei o primeiro disco. O que faço não destoa porque passo o dia a fotografar concertos, a acompanhar de perto residências artísticas e videoclips de outros artistas, faço parte da organização e produção de alguns eventos e ciclos de programação que existem aqui em Coimbra. Portanto, sinto que estou sempre numa bolha criativa, que alimenta e que dá impulsos positivos ao que estou a fazer musicalmente”.

Em 2022 surge o projeto Filipe Furtado Trio, formado por Filipe Furtado, Filipe Fidalgo e Paulo Silva. No ano seguinte atuaram no Tremor, um concerto que não esquece. Mas primeiro lembra-nos que em 2017 já tinham vindo ao Tremor, “foi a nossa primeira vez e ainda estávamos numa fase muito embrionária, estava a dar os primeiros passos a compor”, sublinhando que “ter regressado aos Açores em 2023 e ter atuado na Igreja do Colégio, ao pé de casa, num lugar tão bonito... foi um nervosismo extra porque agora sim, as pessoas poderiam ouvir como o projeto estava - e já está noutro patamar, mais próximo daquilo que imagino que deveria ser... teve um impacto intenso, ver a Igreja do Colégio cheia.... foi muito especial e é sempre sempre especial tocar nos Açores”.

No passado dia 30 de maio lançaram o segundo álbum “Como Se Matam Primaveras”, disponível nas plataformas digitais, e Filipe Furtado já pensa em projetos para o futuro, “para mim e para os meus camaradas, o Filipe Fidalgo e Paulo Silva, o objetivo seria tocarmos muito mais. O disco saiu agora mas já vem sendo preparado há muito tempo e já existe a vontade de materializar algumas composições para um próximo trabalho”, afirma. Para o futuro, Filipe Furtado quer também “fazer mais bandas sonoras para teatro ou dança contemporânea. É uma área que me interessa e gostava de ter esta oportunidade”. Entretanto, já fez a banda sonora para o filme ”Três Haikais, um Peixe Surfista e uma Canção de Amor para o Areal, de Fernando Nunes, inserido no Festival Fuso Insular”.

Perguntamos do que mais sente falta, estando a viver em Coimbra há 15 anos, e a resposta não difere muito daquela que nos deu quando o questionamos sobre o que lhe custou mais quando saiu dos Açores. Sente falta de “estar em casa com a família, da rotina de ir ao pesqueiro de manhã, a comida da minha mãe, o visitar a minha avó... os bolos lêvedos, o queijo fresco... esta manhã, por exemplo, a minha mãe estava a mandar fotos e a dizer que este ano iríamos ter maracujás… Mas principalmente o sentimento de poder estar com a família, porque hoje em dia é muito difícil podermos estar todos juntos”.

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