“A música não é apenas sobre tocar bem, é sobre comunicar algo verdadeiro”

Eugénia Contente. A guitarra que recebeu aos 9 anos ditou o seu sonho, pese embora ter tirado Arquitetura, mas sabia que a sua vida não passava por aquela área. Em 2017 inscreveu-se numa oficina de jazz no Hot Clube de Portugal e nunca mais parou. No futuro gostava de “tocar nos mesmos sítios que os meus ídolos”




Eugénia Contente, nasceu e cresceu em Ponta Delgada. Boa aluna, gostava muito de “desenhar, de jogar futebol, de jogar ténis, de andar de bicicleta e de ir à praia. Se pensar bem, quase nenhuma destas coisas mudou muito”, confessa-nos a guitarrista. 

Precisamente o seu gosto pela guitarra, surge do “pedido infrutífero de ter uma bateria”, disse para explicar que “não acharam a melhor ideia do mundo e eu percebo a reticência. Seria barulho a mais. Então veio antes uma guitarra, quando tinha 9 anos”. Contudo, “algo me diz que esse barulho acabou por existir na mesma assim que passei de guitarra clássica para guitarra elétrica, um ano depois”. Este gosto pela guitarra desenvolveu-se “por ser muito recompensador conseguir reproduzir coisas que ouvia. Entusiasmava-me o ser capaz”, afirmou.

Eugénia Contente estudou no Liceu - Escola Secundária Antero de Quental – e seguiu para Lisboa, para a Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa - FAUL, onde fez o mestrado em Arquitetura, em 2010. Ter deixado a ilha para ir para Lisboa estudar não foi, ainda assim, muito difícil, porque “tive a sorte de passar por essa fase de mudança de vida rodeada de praticamente todos os meus amigos mais próximos”, recordando que “uma grande parte de nós vivia no mesmo prédio e dividia casa. “Hoje o jantar é no 3ºD”, “amanhã é no 2ºE”. Portanto, esta dinâmica fez com que não fosse propriamente dramático sair da realidade que conhecia até então, em casa dos meus pais”. Por outro lado refere que “menos estimulante terá sido a parte do curso de Arquitetura”, porque “sabia que não gostava. Sabia que o resto da minha vida não passava por ali. Diria que foi uma espécie de plano C ou D, mascarado de A. No fundo, uma mistura de algum desconhecimento com a tentativa de assegurar um futuro (em teoria) mais estável. Não tão incerto como a música, pelo menos”, realçou.

Questionada sobre como conseguiu conciliar a música com o curso académico, Eugénia Contente revela-nos que foi “com três diretas por semana, nos três primeiros anos. Mais coisa, menos coisa”. Ou seja “não podia falhar com as entregas da faculdade nem dar-me ao luxo de chumbar a nada”, porque “sabia que isso significava ficar ali mais tempo do que o estritamente necessário. Mais tempo afastada do sonho que tinha”. Então, “entre o dar resposta a todo o volume de trabalho que o curso exige (que é mesmo muito) e o ter tempo para estudar guitarra e ir a concertos, fiquei a dever muitas horas de sono à cama”, conta-nos.

Em 2017, quando já estava a estagiar, Eugénia Contente, inscreveu-se na oficina de iniciação ao jazz do Hot Clube de Portugal. “Lembro-me de ter quintas-feiras muito puxadas. Das 10h00 às 19h00 no escritório, das 20h00 às 23h00 nas aulas e da 1h45 às 3h00 da manhã no Tokyo, um bar onde comecei a tocar e que me abriu mesmo muitas portas para integrar projetos maiores. E na sexta-feira, lá ia eu para o escritório de novo. Não garanto que fosse com o ar mais saudável do mundo, mas ia!”.

‘Safarah’ foi o primeiro projeto musical que integrou. Diz que “era com ele que tinha uma residência semanal precisamente no Tokyo. Cresci muito a tocar com o Isaías Manhiça, o André Mendes, o Gabriel Salles Silva e o Luís Delgado. Pude explorar a improvisação ali. Havia muito espaço para isso e eu adorava. Daí, surgiram oportunidades para tocar com a Carla Prata, Monaxi, Matay, Leo Middea, Flapi, Bispo e mais recentemente com a Mila Dores, Inês Monstro, Ana Bacalhau e Ivandro” - entre outros projetos mais pontuais que vai aceitando pelo meio.

As primeiras composições do ‘Eugénia Contente Trio’ saem em 2020, em plena pandemia. Conta-nos que enviou “umas ideias ao Gabriel e ao Luís, o baixista e o baterista dos Safarah, para que pudessem a elas adicionar a sua magia”. Para si, “fazia todo o sentido que fossem eles a tocar comigo. Por todas as razões. Não só por termos uma grande e sincera amizade, como sou uma fã incondicional dos seus trabalhos”, disse, sublinhando que “para minha grande felicidade, prontamente se disponibilizaram e alinharam”.

Em 2023 lançou o seu álbum de estreia ‘Duckontente’, um trabalho que nasceu de uma forma curiosa: “As primeiras ideias que enviei ao Luís e ao Gabriel tinham apenas 1 minuto, a pensar no Instagram como plataforma de divulgação. Inicialmente ia ser só uma série de 6 episódios. Nessa fase, fomos os três para estúdio, gravámos, filmámos e publiquei”. Depois, “senti que foi bem recebido”, mas não sabia que mais tarde “iria surgir a oportunidade de tocar no The Great Lisbon Club, um festival com uma programação a pensar em músicos que começaram em bares e depois quiseram fazer originais, o meu caso. Tive então de transformar 6 minutos de música num concerto inteiro. E que especial foi esse concerto para nós!”, sublinha a guitarrista, enfatizando ainda que “gostámos tanto que, pouco tempo depois, estávamos em estúdio novamente, a gravar o ‘Duckontente’”.

O ‘Eugénia Contente Trio’ fez parte da banda residente do programa da RTP 1, o ‘5 para a Meia-Noite’. Questionada sobre esta experiência, a artista açoriana diz que foi “uma maravilha poder fazer parte de um programa já icónico da nossa televisão portuguesa. É um formato em que temos de ter sempre uma “resposta musical” ao que estiver a acontecer. Muitas vezes, sabíamos no próprio dia o que ia acontecer. É um bom exercício de reação e presença de espírito”.

O maior desafio que teve, enquanto artista, foi “encontrar a minha própria voz no instrumento”, explicando que hoje em dia, “com tanto acesso a conteúdos e influências, é fácil cair na armadilha de querer soar como os nossos ídolos - o que é ótimo para aprender - mas o verdadeiro desafio é ultrapassar essa fase e descobrir quem somos musicalmente. Leva tempo, exige autoconhecimento, escuta ativa e há que perder qualquer medo de sermos autênticos”. Para além disso, Eugénia Contente salienta que, “como guitarrista, há também o desafio constante da disciplina: manter uma rotina de estudo eficaz, lidar com frustrações quando o progresso parece lento, e ainda equilibrar a parte técnica com a expressividade”, frisando que a “música, para mim, não é apenas sobre tocar bem, é sobre comunicar algo verdadeiro. E encontrar esse equilíbrio tem sido uma jornada exigente, mas profundamente gratificante”.

Eugénia Contente tem passado por diversos palcos, mas é sempre especial quando atua nos Açores: “Costumo dizer que a magia das ilhas não se equipara a nenhuma outra. Tocar em casa é como adicionar um ingrediente extra. Acresce 50 g de impetuosidade ao menu normal”.

No que diz respeito a projetos em andamento, a artista refere que “fora o ‘Eugénia Contente Trio’, que andará a tocar este ano pelo país, acompanho também os artistas Ana Bacalhau, Ivandro e Inês Monstro”. Em termos de projetos futuros, Eugénia Contente revela que passam por “continuar a compor, continuar a tocar a minha música”, bem como “viajar pelo mundo a tocar com o meu projeto. Tocar nos mesmos sítios que os meus ídolos e influências atuais. Se puder privar com eles, melhor”, finaliza.

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