Um estudo recente alerta para a sobrepesca de três espécies demersais de profundidade nos Açores: goraz (Pagellus bogaraveo), boca-negra (Helicolenus dactylopterus) e pargo (Pagrus pagrus).
A investigação “Declínio dos stocks de peixes de águas profundas nos Açores: A primeira avaliação quantitativa”, publicada recentemente na revista Fisheries Research, permitiu, utilizando o modelo SPiCT (sigla em inglês de Modelo Estocástico de Produção Excedentária em Tempo Contínuo), que os investigadores realizassem a primeira avaliação quantitativa de quatro unidades populacionais de peixes com dados limitados na Região.
Os resultados indicam que as taxas de captura históricas do goraz, boca-negra e pargo ultrapassaram o Rendimento Máximo Sustentável (RMS), comprometendo a capacidade de recuperação destes stocks. Em contraste, a abrótea (Phycis phycis) apresenta sinais de recuperação, sugerindo que a sua captura atual pode estar próxima do RMS, permitindo uma recuperação gradual.
Ao Açoriano Oriental, Wendell Medeiros-Leal, doutorando no Instituto Okeanos da Universidade dos Açores, no grupo de investigação das pescas e avaliação de stocks pesqueiros, liderado pelo investigador Régis Santos, explicou que este estudo procurou melhorar o nível de informação sobre a situação atual dos stocks prioritários na Região.
Para tal, foi utilizada uma metodologia baseada nas reconstruções das capturas entre 1950 e 2023 e em índices de abundância que têm por base os dados recolhidos no Programa Nacional de Recolha de Dados entre 2003 e 2022, constituindo-se como a primeira avaliação quantitativa de stocks de peixes realizada na Região.
“O estudo permite, pela primeira vez, dispor de estimativas históricas resultantes da reconstrução das taxas de biomassa e de mortalidade por pesca. Estes dados possibilitam calcular o Rendimento Máximo Sustentável, ou seja, a quantidade máxima de peixe que pode ser capturada anualmente sem comprometer a capacidade de regeneração do stock, assegurando a sustentabilidade a longo prazo”, explanou o investigador.
Sobre os resultados deste estudo, Wendell Medeiros-Leal realçou que, no caso do goraz, boca-negra e pargo, os níveis históricos de exploração excederam os valores de RMS, ou seja, a mortalidade por pesca exercida foi superior ao que o stock suporta durante vários anos, o que fez com que a quantidade de peixe disponível tenha diminuído, atingindo um estado de sobrepesca.
No entanto, salientou que as
medidas de gestão que têm vindo a ser implementadas na Região ao longo
dos anos têm contribuído para que os stocks não tenham atingido níveis
de sobrepesca ainda mais críticos ou sem possibilidade de recuperação.
Já no caso da abrótea, o investigador referiu que, apesar dos resultados mostrarem que já houve momentos de sobrepesca, atualmente é uma espécie que apresenta sinais de recuperação, com aumento dos efetivos na Região.
Face a estes resultados, Wendell Medeiros-Leal salientou que este estudo destaca a vulnerabilidade das espécies de profundidade à sobrepesca e sublinha a necessidade de implementar medidas de gestão adequadas para garantir a sustentabilidade das pescas nos Açores.
“As recomendações que fazemos passam por um maior entendimento entre os diversos stakeholders ligados ao setor da pesca e por um maior investimento na área da investigação, de modo a monitorizar melhor os stocks, garantindo a sustentabilidade e que a atividade da pesca se possa manter no futuro”, elencou, acrescentando que também é preciso investir na melhoria da recolha da informação, explicando que é necessário ter essa informação por grupo ou mesmo por ilha, de modo a realizarem-se avaliações ainda mais específicas.
Por outro lado, explicou que as quatro espécies que foram agora estudadas integram uma lista de 22 stocks locais que foram identificados como prioritários para a Região pelo projeto “PESCAz: Pescarias sustentáveis nos Açores” realizado anteriormente, com o apoio do Governo Regional.
“Estas quatro
espécies foram escolhidas por possuírem informação suficiente e robusta
para a aplicação do modelo, ou seja, as séries temporais de capturas e
os índices de abundância, assim como pela sua importância económica e
social, de modo a ajudar na tomada de decisões e na sua
sustentabilidade”, referiu.