Um burburinho incessante percorre cada pequeno canto da quinta. Podiam ser as vozes dos hóspedes que escolhem a Urzelina, em São Jorge, para umas férias sossegadas, num dos seus diversos idiomas, com origem em tantos pontos diferentes do mundo. Porém, este murmúrio sereno é numa outra língua, mais universal mas por muitos esquecida.
Desde 2015 que Miguel Sequeira estende este convite a quem recebe na Make it Happen, quinta biológica e alojamento, onde todas as espécies são tratadas com o mesmo respeito e atenção.
Miguel Sequeira tem vindo a aperfeiçoar a língua das plantas desde bem pequeno, quando ainda se infiltrava na cozinha para ver o que a mãe por lá deixava e escolher o que poderia plantar a seguir. “Dentes de alho, grãos de feijão, enfim, qualquer coisa que a minha mãe deixasse pela cozinha. Queria plantar tudo para os poder ver crescer”, recorda.
Ao amor de infância juntou-se a mais madura paixão de conhecer mundo e viajar. Semeada a ideia, nasceram as unidades de alojamento e cresceu a quinta biológica que, conta Miguel Sequeira, hoje é dez vezes maior do que quando começou.
A dimensão traduz-se em variedade, que vai desde as familiares tangerinas, fruta da época, a outras que, apesar de chegarem aos hipermercados açorianos, vêm frequentemente de outras paragens, como é o caso das romãs, das mangas e das bagas goji. Crescem em pleno solo açoriano, e são tantas as outras que as acompanham que Miguel Sequeira tem dificuldade em conseguir nomeá-las a todas.
Apesar de existir procura, chegar à grandes superfícies não faz parte dos planos da empresa. O que é colhido é maioritariamente consumido pelos hóspedes e as saladas são as que fazem a maior viagem, ainda assim curta, para restaurantes e pequenos mercados, todos na ilha.
“Já temos de importar tanta coisa. Não faria sentido gastarmos combustível e exportar o que a nós próprios faz falta”, argumenta.
Miguel Sequeira defende que o caminho deveria ser procurar a autonomia alimentar, a valorização do consumo de produtos locais e tenta desfazer alguns mitos: “As pessoas ainda acham que a fruta tem de ser sempre bonita. Às vezes até leva cera para brilhar mais e ter um aspeto mais apelativo. Nada disso acontece com a produção orgânica”.
A missão da empresa vai além dos serviços que presta. “Atualmente, as pessoas vivem em grandes cidades, em aglomerados e, muitas vezes, só conhecem coisas simples como temperos dentro de pacotinhos”, observa Miguel Sequeira, empenhado em mudar esse cenário. Uma das suas ajudantes nesta demanda é Fiona, uma das mais simpáticas inquilinas da quinta. “Muitas das pessoas confessam que nunca tinham visto uma burra na vida, só mesmo nos desenhos animados”, conta, divertido.
Miguel Sequeira conta que o segredo para colher tanto e conseguir que todas estas espécies convivam harmoniosamente está no respeito pela terra.
“O nosso terreno é muito fértil porque sabemos geri-lo. Fazemos rotação de culturas, temos o nosso próprio composto, temos uma reserva de água da chuva que colhemos no Inverno para usar no verão”, enumera, acrescentando que também a parte do alojamento segue normas rigorosas, nomeadamente no que diz respeito à escolha dos produtos de limpeza e consumo energético, critérios que lhes valeram serem detentores da Green Key, um galardão ambiental reconhecido internacionalmente.
Entre as várias nacionalidades que recebem na quinta, Miguel Sequeira reconhece um ponto em comum: a crescente preocupação pelas questões da sustentabilidade. “Não podemos subestimar o conhecimento que eles trazem. Ao vir para os Açores, eles procuram verdade”, declara. Manifesta preocupação perante propostas como o retorno à utilização do glifosato, algo que descreve como um retrocesso. “A nossa grande imagem como destino turístico é sabermos preservar a natureza. É o que nos torna diferentes e o que faz com que nos procurem”, defende.
Ao projetar o futuro, o crescimento que Miguel Sequeira descreve vai para além do material. O sonho é conseguir chegar ao desperdício zero e atingir a autonomia plena, da alimentar à energética.
Um dos mais recentes projetos que Miguel Seuqeira espera agora ver crescer é o da criação de um circuito de manutenção dentro da agrofloresta que estão de momento a criar, um espaço com capacidade de se autorregular, uma vez que as espécies plantadas se apoiam entre si. “A ideia é criar um circuito de desporto, para caminhar, andar de bicicleta e fazer exercício entre as árvores”, explica.
A complementar um corpo sã, planeiam ainda contribuir para uma mente sã através da criação de um caminho sensorial, onde as pessoas são convidadas a andar descalças e a sentir diferentes texturas, desde a terra, a relva, a madeira, a areia e a pedra resultante das escoadas lávicas. “É ter a sensação do que é caminhar descalço, ter uma floresta debaixo dos pés, sentar-se nos recantos, ouvir o silêncio das árvores, até chegar ao mar, que é aqui tão perto”, descreve.
Para além de partilhar conhecimento, Miguel Sequeira garante que aprender faz sempre parte dos planos, assim como, tentar deixar um contributo positivo nos Açores e no mundo.
“Há uns dias li uma frase muito interessante, numa quinta, que dizia que a terra não tinha sido doada pelos pais mas sim emprestada pelos filhos. Eu acredito nisso, temos de entregar algo igual ou melhor do que o que recebemos”, afirma.
Pela quinta continua o burburinho da natureza. Compreende-se agora, sem que para isso tenham sido preciso lições ou trabalho de casa. A chave para o decifrar era, no final de contas, tão simples como parar e escutar.
#Empresa
Natureza acolhida e acolhedora
A Make It Happen Farm, na ilha de São Jorge, é um espaço de alojamento e
quinta biológica onde os hóspedes são convidados a viver em comunhão
com a natureza

Autor: Made in Açores