“Preservamos o nosso acervo com muito carinho e com muita dificuldade”

João Paulo Constância, diretor do Museu Carlos Machado em entrevista ao jornal Açoriano Oriental. O Museu Carlos Machado comemora 145 anos esta terça-feira



O que está programado para a celebração dos 145 anos do Museu Carlos Machado?

Estamos a estender as comemorações dos 145 anos do Museu Carlos Machado (MCM) ao longo do ano, um museu repleto de histórias. Iniciamos uma campanha em que usamos fotografias antigas e também atuais, com slogans simples, como ‘145 anos a promover o conhecimento’; ‘145 anos a surpreender’, porque pelas coleções que o MCM tem ainda causa surpresa nos mais novos e é também importante este papel de divulgar histórias, conhecimento, preservar o património. Temos uma série de atividades programadas com as escolas, no âmbito da exposição ‘A ilha de Sam Nunca’, de Andrea Santolaya. Estamos a promover e a receber visitas especiais à exposição ‘Requinte e Delicadezas’, um espólio de uma artesã muito pouco conhecida, Maria Jovita Negalha. A filha é que foi a guardiã do espólio da mãe, que mostra um trabalho de um rigor e delicadeza que vale a pela ver porque representa um tempo longo (..). Temos a exposição de “Arqueologia, do Convento ao Museu”, a exposição ‘Cântico de Cor - A Espiritualidade em Domingos Rebêlo’. Iremos ter também atividades com os nossos parceiros, nomeadamente um concerto no último domingo do mês com a Quadrivium. Vamos nos associar às comemorações da Associação Musical Edmundo Machado Oliveira, recebendo um concerto no dia 15 de junho.

É importante as parceiras que o Museu Carlos Machado tem?

Estas parcerias são fundamentais. Interessa-nos acautelar a sua missão junto dos seus públicos, das suas comunidades e da comunidade mais próxima. Temos desenvolvido uma série de projetos neste sentido e as parcerias entram ai. Receber concertos, outras atividades, significa podermos nos relacionar de uma forma mais direta e trazer os nossos públicos. Por exemplo a exposição ‘Requinte e Delicadezas’ tem trazido excursões da Maia e já tinha acontecido o mesmo quando tivemos a exposição do Laudalino Ponte Pacheco que vieram pessoas da costa norte de propósito visitar a exposição. Para nós isso é muito significativo porque faz parte dessa nossa presença no território e nas nossas comunidades. 

Temos outro projeto em curso e já a dar alguns frutos que chamamos de ‘projeto dos vizinhos’. O centro histórico de Ponta Delgada ainda é muito habitado e temos uma série de pessoas que vivem à volta do MCM. Portanto, temos este projeto de os trazer para o museu. Eles têm um passe de livre acesso que os permite participar nas atividades e também colaborar, por exemplo, temos um canteiro coletivo que está a ser construído pelos vizinhos e vamos ter no dia 21 de junho um concerto com estes vizinho no pátio do Núcleo de Santa Barbara. 

Como é que o MCS preserva o seu acervo?

Com muito carinho e com muita dificuldade. Uma das principais missões do museu é assegurar a preservação das nossas memórias, do nosso património, daquilo que nós consideramos, ao longo destes 145 anos, como sendo elementos identitários que valiam a pena preservar. Faço um reconhecimento a todas as pessoas que generosamente e pelo gesto da dádiva doaram peças importantes. Esta generosidade vem da fundação do museu, um dos primeiros beneméritos foi o Conde da Fonte Bela que patrocinou o museu adquirindo coleções e fazendo doações ao museu, estamos a falar do início do museu. Portanto, as doações marcaram muito o acervo do MCM. 

Claro que, para além, disso, tem havido algumas políticas de aquisição de bens museológicos. Tem havido, também, alguns depósitos importantes que não sendo do museu, enriquecem as nossas coleções. Hoje o MCM pode orgulhar-se de ter muito bem representados uma série de artistas açorianos. Uma das maiores coleções públicas, senão a maior, nomeadamente de Domingos Rebêlo e Canto da Maia é o MCM que detém (…). Recordar que o acervo do museu é muito diverso, vai desde a história natural, passando pela arte antiga, a arte sacra, a arte contemporânea, a etnografia, numismática, medalhística, ciência e tecnologia. O que nos levanta problemas diferenciados de conservação, portanto, é preciso muito carinho, muitas inspeções e limpezas periódicas, e há pouco dizia com alguma dificuldade também, porque aguardamos e, estamos numa fase de transição porque, finalmente, vamos ter um espaço adequado quando entrar em funcionamento o novo edifício das reservas...

Uma obra que teve os seus contratempos...

A primeira fase da obra ficou concluída, a fase final da obra já teve dois concursos que ficaram desertos porque temos uma dificuldade acrescida que é termos empresas que estejam disponíveis para realizar o trabalho. Mas contamos e temos esta indicação que vai haver um novo concurso este ano. Portanto, resolvendo esta parte procedimental e tudo correndo bem, para o ano teremos este edifício e com condições muito boas para salvaguardar, preservar e eventualmente, tornar visitáveis muitas das nossas coleções.

Como é que foi a adaptação do MCM à era digital?

Eu diria que foi uma adaptação natural porque acompanhou todas as dinâmicas da própria sociedade. (...) A Direção Regional da Cultura investiu em programas para o registo dos inventários, para a programatização dos inventários e da documentação dos museus. (...) A cibermuseologia, como alguém chama, não se esgota por aí. Começou a entrar no âmbito da interação com os públicos há alguns anos, começamos também a dar mais informações e a fazer a ligação das peças através dos códigos QR, mais atualmente utilizamos ferramentas como o Zoom Guide onde é possível o visitante receber informação e traduzi-la em várias línguas, porque já temos a inteligência artificial a trabalhar para os museus também. (…) 

É preciso ressalvar que os museus são lugares de autenticidade e por mais tecnologia que tenhamos ou por mais inteligência artificial que tenhamos, nada substitui as pessoas nem substitui o lado autêntico das nossas peças. 

O que está programado até ao final deste ano?

Vamos nos associar aos 50 anos da fundação da Universidade dos Açores, realizando uma instalação reconhecendo o importantíssimo papel que a nossa universidade teve e tem para os Açores. Iremos coorganizar um encontro de boas práticas museológicas que irá decorrer em outubro. Vamos ter várias exposições e instalações artísticas no Núcleo de Santo André. (...) Entre os meses de setembro e novembro recebemos a  Bienal Walk & Talk.  

Vamos levar à Maia uma exposição sobre a pimenta da terra, ou seja, vamos ter uma série de atividades também no território. Temos uma equipa de Património Cultural e Material que tem feito o acompanhamento e o registo de manifestações, não só para mantermos este registo sempre vivo e atualizado, mas também com a perspetiva de aumentar o nosso inventário. Aliás, toda a atividade que o MCM tem desenvolvido só é possível porque tem uma equipa de profissionais muito dedicados e sempre disponíveis para abraçar novos projetos. São as pessoas que fazem as intuições e, como diria o Professor Mariano Gago, “ninguém sabe o suficiente para fazer tudo sozinho”. 

Ainda em termos projetos futuros, para o ano contamos comemorar o início da fundação do museu enquanto museu liceal porque começa é como um museu liceal em 1886 por Carlos Machado e só em 1980 é que é aberto ao público como o Museu Açoriano de História Natural, eventualmente gostávamos de integrar esta celebração na Capital Portuguesa da Cultura de Ponta Delgada. 

Também já estamos a preparar os 150 anos do MCM e agrada-me fazer um agradecimento público com uma exposição didática das ofertas porque, já mencionei, muito daquilo que são as coleções do museu foram peças generosamente oferecidas por muita gente, desde as mais pequenas coisas até peças de valor extraordinário.







PUB