Neto do fundador do grupo
empresarial de Braga - a quem atribui a instituição da cultura
empresarial que lhe permitiu criar o Departamento da Felicidade, em
2017, após uma viagem ao Dubai -, o entrevistado aborda como um
trabalhador feliz pode ter um impacto real na produtividade das
empresas, como essa cultura deve começar de cima para baixo e os
desafios que existem para que a exceção seja a regra, mesmo num país de
salários baixos.
Comecemos pelo óbvio: como é que se cria felicidade dentro de uma empresa, que, à partida, não é o sítio mais feliz do mundo?
Só essa pergunta revela aquilo que temos de fazer neste ambiente organizacional, empresarial: de facto, o trabalho é muitas vezes visto como um sacrifício que as pessoas têm de fazer para receber um salário para, com esse salário, comprar algo que lhes vá trazer felicidade. O que está mais do que demonstrado é que a felicidade que nós temos quando compramos algo é momentânea: há quem diga que dura 5 minutos, meia hora, no máximo pode durar um dia.
A verdade é que passamos a maior parte do dia em que estamos acordados em contexto de trabalho, em contexto empresarial. Se todo esse tempo da nossa vida for passado em contexto de toxicidade, infelicidade, pressão exagerada, toda a nossa vida vai ser impactada negativamente por isso mesmo.
Portanto, o
primeiro ponto deve ser uma missão dos empresários e das organizações:
proporcionar aos seus trabalhadores um ambiente de trabalho onde impera a
saúde, a segurança, o bem-estar, o equilíbrio da vida pessoal e
profissional e, depois, cada vez mais os estudos o comprovam - e o nosso
caso no GBC também o demonstra - que quanto mais apostamos nas pessoas,
quanto mais felizes elas estão, quanto mais motivadas elas estão, os
resultados também aparecem e começam a ser significativamente melhores.
Por
isso é que o livro que eu escrevi tem o título “A felicidade é
lucrativa”, porque mais do que uma moda, por ser fancy ou dar likes nas
redes sociais, apostar na felicidade e no bem-estar é uma prática que
conduz a resultados mais positivos, a mais lucro, a maior produtividade.
É uma estratégia que tem de começar de cima para baixo: é fácil mudar o chip ao mundo empresarial português?
Ainda há um caminho longo a ser feito, mas há cada vez mais empresas a adotar esta prática de gestão. Sem dúvida que tem de ser algo top down, começar na administração, mas as chefias intermédias desempenham aqui um papel primordial, pois são elas que conseguem disseminar esta missão, os valores, este conceito, esta prática de gestão por toda a organização.
O que é que acontece, normalmente? A maioria das chefias intermédias chegou a esses cargos ou por antiguidade ou porque eram muito bons tecnicamente a fazer algo. E esquecemo-nos que estas pessoas mais do que gerir processos e procedimentos, vão gerir pessoas, e esquecemo-nos de as dotar destas soft skills de liderança de pessoas, pelo que este processo acaba por ser mais lento, pois nos cargos de chefia não estão, normalmente, pessoas que percebam de pessoas. Estão pessoas que percebem tecnicamente do que a empresa faz ou de uma área mais específica.
Mas é fundamental nós percebermos isso: as pessoas lideram pessoas e portanto têm de saber como liderar essas mesmas pessoas.
Há pouco aflorou algumas das questões, como a segurança, higiene, remuneração. Mas há outros aspetos: como o burnout, a pressão, os ambientes tóxicos que também têm peso.
A questão da saúde mental tem de deixar de ser tabu nas organizações. Portugal, infelizmente, aparece sempre pelos piores lugares quando se fala de saúde mental nas empresas e organizações, e portanto temos de encarar esse problema de frente e toda esta prática de gestão que assenta no respeito, na valorização, no reconhecimento da pessoa, vem também ajudar a reduzir esses problemas de saúde mental.
E nós sentimos isso no GBC: até porque um dos indicadores que nós medimos é o absentismo, que está muito ligado a questões de saúde física e mental, e o nosso absentismo é praticamente zero, precisamente pelo cuidado que temos com as pessoas.
Não somos a empresa perfeita, longe disso, temos desafios, mas procuramos melhorar todos os dias neste aspeto.
E cuidar das pessoas faz com que elas cuidem de todos os stakeholders à volta da organização, dos clientes, dos fornecedores, dos parceiros de negócio.
Portanto, os resultados sem dúvida que aparecem e é como eu
disse: além da parte da missão, temos a parte dos resultados porque as
empresas que têm o departamento da felicidade, como o GBC, não são a
Santa Casa da Misericórdia.
As empresas são feitas para dar lucro e não pode haver dúvida nenhuma em relação a isso, está no código das Sociedades Comerciais e é assim que tem de ser. O que se faz com o lucro é que pode divergir de gestão para gestão: nós acreditamos que uma parte do lucro deve ir para as pessoas que ajudaram a construir esses resultados; uma parte deve ir para a sociedade, que é a nossa de responsabilidade social; e outra parte investida na empresa, distribuído pelos acionistas, porque também tem de deixar de ser tabu falar em lucro nas empresas. Elas são feitas para isso.
Em termos concretos, o que faz um Departamento da Felicidade?
Às vezes fala-se da “tirania da felicidade”, que os departamentos da felicidade servem para colocar todas as pessoas de uma organização felizes. Isso é impossível, não existe, é uma utopia. O Departamento da Felicidade serve para quando uma pessoa está numa fase menos boa ou num dia menos bom, sabe que se for para a empresa vai encontrar um ambiente de trabalho que não a vai julgar e onde é livre de dizer que não está bem, sem problemas; e ter pessoas que a vão ajudar a ultrapassar esse dia menos positivo.
É este o grande objetivo do Departamento da Felicidade: a grande ação é ouvir, ter alguém que esteja disponível para ouvir os desafios, os problemas familiares. Esse é um dos grandes segredos da liderança humanizada, que é aquilo que eu vislumbro para a liderança do futuro: empática, focada nas pessoas, humanizada.
E para isso há vários pilares, como aceitar o erro. Só erra quem faz: ainda vivemos numa sociedade que criminaliza o erro, onde quem falha uma vez é logo rotulado de falhado. Eu brinco muitas vezes quando digo que em Portugal errar é cadastro, enquanto nos Estados Unidos da América errar é currículo. Porque pressupõe-se que quem errou tem uma vantagem competitiva, porque já não vai cometer aquele mesmo erro.
Nós precisamos de perceber que hoje, mais do que nunca, a frase de “Não é o mais forte, nem o mais inteligente que vence, mas sim aquele que se adapta à mudança” [n.d.r. proferida pelo professor universitário Leon C. Megginson, sobre a sua interpretação da obra “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin]. Temos tantas transições a ocorrer no momento, seja ao nível geopolítico, de sustentabilidade, climático, tecnológico... As pessoas têm de perceber que o mundo está a mudar muito rapidamente e temos de ter essa capacidade de ser ou agentes da mudança ou, pelo menos, facilitadores da mudança. Se formos resistentes da mudança, vamos contra uma parede de indelicada, como costumo dizer.
Depois dar o exemplo pelo empatia. Os líderes que não dão o exemplo, não conseguem ter o respeito das suas equipas. Há um conjunto de pilares que assentam e construem esta liderança humanizada.
Que balanço faz da implementação do Departamento da Felicidade na GBC?
Na
altura foi olhado muito de lado, chamado de pouco profissional,
lamechas, que um departamento destes nunca poderia estar num organigrama
de uma empresa a sério, mas a verdade é que, olhando para trás, estes
oito anos, não podíamos ter tomado melhor decisão, porque os grandes
desafios que se colocam às empresas hoje, principalmente relacionadas
com a questão do talento - e não podemos esquecer que as empresas não
são feitas de pessoas, as empresas são as pessoas. Se queremos empresas
extraordinárias, temos de ter pessoas extraordinárias. E nós temos muita
facilidade em recrutar e atrair talento. Temos um turn-over [n.d.r.:
rotatividade de trabalhadores] baixíssimo, absentismo muito baixo, a
nossa reputação também aumentou. Portanto, são tudo consequências desta
nossa aposta, desta cultura organizacional, que é assente na valorização
das pessoas.
A liderança humanizada que fala será para todas as empresas? Porque nas empresas há muitas vezes o discurso de que a empresa não está bem, não é possível melhorar as condições, sejam salariais ou outras. Mas acaba por ser um ciclo vicioso: não se melhoram as condições, os trabalhadores ficam insatisfeitos, a empresa não melhora.
Eu acho que é transversal para todas as empresas e organizações, privadas e públicas. Eu faço algumas intervenções em algumas unidades locais de saúde, escolas e até câmaras municipais: claro que no setor público há uma série de limitações legais relativamente a uma série de benefícios, seja no aumento de salário, prémios de produtividade. Mas o reconhecimento, o envolver as pessoas no processo de decisão e o ouvir as pessoas são coisas que não há nenhuma lei que proíba e que raramente se faz.
Portanto, sim, é transversal a todas as organizações, mas nem tudo é aplicado em todas as organizações. Nós no GBC temosvárias atividades: se há uma empresa que as pessoas passam maioritariamente o tempo no escritório, nós adaptamos o espaço para que elas se sintam bem lá, com matraquilhos, bilhar, PlayStation, pingue-pongue... E temos uma empresa de instalações elétricas, em que as pessoas passam o tempo toda em obra, pelo que não vão usufruir de nada que coloquemos no escritório. Por isso temos de adaptar, pois nem todos os benefícios vão ser valorizados da mesma por todas as pessoas da organização. Cabe a cada uma das lideranças escolher aquilo que se adapta melhor à sua organização.
Mesmo num país de salários baixos?
É
possível, mesmo num país de salários baixos. Mas isso é outra questão: o
que estivemos aqui a falar é muitas vezes apelidado de salário
emocional. E o salário emocional não pode substituir o salário real, tem
de ser um complemento para aumentarmos a atratividade da nossa empresa,
neste contexto em que vivemos, onde o principal desafio das empresas é
atrair talento, é contratar pessoas qualificadas.
Porque aquilo que
faz as pessoas organizarem a sua vida, que decidam se têm filhos ou não,
se mudam de casa ou não, é o salário real.
Portanto, temos salários muito baixos, para não dizer miseráveis na sua grande generalidade, e tem de haver um desígnio nacional para aumento, não só dos salários, mas mais do rendimento líquido. E para isso são precisos três pilares: um, as empresas têm de conseguir criar mais valor para pagar melhores salários; segundo, o Estado, reduzindo a carga fiscal que incide sobre os salários; e outro, os trabalhadores, principalmente apostando na formação, na qualificação, na capacitação, pois, como disse há pouco, com estas transições todas a ocorrer, se olharmos para a formação como uma perda de tempo - como muitas pessoas ainda o fazem - vão ser ultrapassadas e vai ser cada vez mais difícil desenvolver tarefas que sejam de facto prazerosas, por um lado, e produtivas, por outro.
Principalmente quando sabemos que a Inteligência Artificial vai fazer com que, em 5 a 10 anos, 25 a 40% das atuais funções deixem de ser feitas maioritariamente por pessoas e passem a ser feitas por máquinas, autómatos ou pela própria IA.