O estudo que analisou esqueletos humanos não reclamados da ilha Terceira para concluir que existe uma maior concentração de metais pesados na população da Praia da Vitória, provavelmente devido à contaminação ambiental da Base das Lajes, tem gerado dúvidas quanto à sua base legal e ética.
Segundo o autor do estudo publicado na editora académica Springer Nature, Félix Rodrigues, foram analisados 64 esqueletos humanos dos dois concelhos da ilha Terceira: 44 provenientes de Angra do Heroísmo e 20 da Praia da Vitória, onde se localiza a Base das Lajes, pertencendo os restos mortais não reclamados a uma coleção criada em 2023 pelos dois municípios.
Os moldes em que esta análise decorreu levou o investigador Alexandre Monteiro do Instituto de Arqueologia e Paleociências da Universidade Nova de Lisboa, a enviar um pedido de esclarecimentos à Springer Nature, para o qual ainda aguarda resposta.
Para Alexandre Monteiro, tendo em conta que a análise recaiu sobre esqueletos de pessoas nascidas entre 1922 e 1984, que faleceram entre 2005 e 2013, e portanto são “potencialmente identificáveis”, é urgente perceber se foram adquiridas todas as “autorizações éticas e legais”, assim como os devidos “consentimentos” para o tratamento dos restos mortais.
O investigador questiona se o estudo em causa foi submetido à análise e supervisão de um comité de ética institucional e se as autorizações municipais concedidas tinham como fim específico a análise e manuseamento científico dos esqueletos humanos.
No esclarecimento pedido à revista científica, Alexandre Monteiro questiona ainda se os restos mortais podem mesmo ser considerados “abandonados” e que esforços foram feitos para contactar os seus familiares, levantando ainda dúvidas sobre um possível “conflito de interesses” no estudo pelo facto de o seu autor constituir também o curador da coleção municipal.
“O facto de o curador da coleção — que também é o autor principal do estudo — ser descrito no artigo científico como o único responsável por determinar as permissões de pesquisa e análise levanta preocupações sobre a independência da supervisão ética”, considera o investigador.
Em
esclarecimentos ao Açoriano Oriental, Félix Rodrigues descarta as
críticas e frisa que, “tanto pela natureza do estudo quanto pelas
exigências das instituições envolvidas, o projeto teve de ser
obrigatoriamente escrutinado e aprovado em diversas instâncias”, tendo
em conta as “questões éticas e legais” deste estudo são “centrais”.
Segundo
o antropólogo forense, “testar se a população da Praia da Vitória foi
ou não exposta a contaminantes resultantes da atividade militar da Base
das Lajes é uma questão de interesse público”.
O investigador garante
ainda que o estudo se baseia em esqueletos considerados “legalmente
abandonados”, descartando a necessidade de “aprovações adicionais” além
das que foram requeridas.
“Enquanto curador, a minha responsabilidade é tomar uma decisão sobre os estudos propostos por terceiros, sempre tendo em vista o cumprimento das normas legais e éticas. No caso da investigação em questão, esses pressupostos são evidentemente cumpridos e, portanto, não houve necessidade de solicitar aprovações adicionais”, justificou ao jornal.
Recorde-se que a investigação de Félix Rodrigues utilizou espetroscopia de fluorescência de raios-X para medir a concentração de metais pesados em ossos humanos e assentou na coleção de esqueletos humanos da ilha Terceira, criada em 2023.
Aquela coleção, que resultou de uma colaboração entre as duas autarquias da ilha, conta com 151 exemplares com proporcionalidade entre os sexos e idades entre os 26 e os 98 anos.
“Para o meu doutoramento achei que era uma boa oportunidade de os Açores terem uma coleção própria, não só para desenvolver a área da antropologia forense nos Açores, que não existia, mas também para explorar um conjunto de questões acerca da população terceirense”, explicou.
Depois da
realização deste estudo, o investigador defende agora que sejam
realizados novos estudos e análises com a “população viva” para
aprofundar o impacto da presença norte-americana na Terceira.