Nova direção traz ‘ventos de mudança’ para a CCIPD

O empresário e professor universitário Gualter Couto assume amanhã a presidência da Direção da Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada (CCIPD) para o triénio 2025-2027, após a eleição decorrida a 28 de abril



Após 16 anos de liderança de Mário Fortuna, a CCIPD conta com uma nova direção. Prevê-se a continuidade do que foi feito até agora ou esta será uma direção de mudança?

Bem, é sempre difícil termos uma direção de continuidade. Tanto é que os próprios órgãos sociais foram deliberadamente renovados na quase totalidade. Não porque os anteriores não estivessem à altura dos compromissos assumidos, bem pelo contrário, pois sempre demonstraram total empenho e dedicação à causa, com elevado sentido de responsabilidade. Por isso, devemos uma palavra de apreço e gratidão à anterior Direção, estendida à Mesa e ao Conselho Fiscal, e em especial ao professor Mário Fortuna que ajudou a alavancar o prestígio da instituição não só nas ilhas da principal atuação da CCIPD, como nos Açores em geral e, até mesmo, a nível nacional.

Mas agora consideramos que também é tempo do ‘render da guarda’ e de demonstrar o poder de renovação da Câmara de Comércio, que vai a caminho dos 190 anos, sendo este o grande segredo da sua longevidade.

Não quisemos que fosse uma mera troca de cadeiras. Pretendemos sim trazer para os órgãos sociais novos protagonistas, alguns até que têm dezenas de anos de associativismo, mas que nunca assumiram papéis relevantes ativos na Câmara. Queremos continuar a ser uma Câmara de todos para todos.

Mas Mário Fortuna continua nos corpos sociais da Câmara, desta vez à frente da Mesa da Assembleia Geral.

Sim. Na elaboração da lista, fiz questão de - justamente como reconhecimento do trabalho prestado ao longo destes 16 anos - que pudesse ficar com o cargo de melhor representatividade que nós temos, que é precisamente o de presidente da Mesa da Assembleia Geral.

Com os ventos de mudança que já aqui anunciou, quais são as prioridades que identifica para este mandato?

Há vários problemas. Alguns não são de todo novos. Temos o ónus do objetivo do fortalecimento da economia regional e, a este nível, há várias propostas em cima da mesa.
Nós temos que incentivar o consumo local, quer de produtos quer de serviços,  e esse incentivo não pode ser só no consumidor final, inclusivamente temos que o fazer junto do Governo Regional. Por vezes, conseguem o inconcebível que consiste em afastar empresas açorianas com concursos públicos feitos à medida de caixeiros-viajantes externos à Região que ficam com a carne e nos deixam com o osso. Tratam-se, muitas vezes, de empresas que não criam riqueza na Região, não criam postos de trabalho na Região, não pagam impostos na Região, nem tampouco dão a cara pela Região. Por isso, não se compreende a obsessão de determinados departamentos governamentais, certas câmaras municipais e até determinadas empresas públicas em preferirem comprar fora em vez de dinamizar e criar competências na Região.

Também vamos estar atentos e propor, sempre que necessário, ajustes nos sistemas de incentivos, de modo a garantir maior eficácia e transparência na gestão dos fundos estruturais.

Aqui também importa monitorizar o grau de cumprimento dos prazos de execução dos fundos. Nós consideramos que não estamos bem neste capítulo. Não podemos ficar satisfeitos, apenas por os outros estarem péssimos no grau de cumprimento e nós estarmos ligeiramente menos maus. Isto não nos torna eficazes nesta matéria.

Também não podemos aceitar que, à data atual, todos os sistemas de incentivos estejam fechados no Construir 2030  a aguardar que os departamentos governamentais despachem os processos antigos. Temos que explicar, as vezes que forem necessárias, que a política de investimento das empresas não funciona por decreto. Resulta sim das necessidades das empresas e das oportunidades do mercado.

Além disso, a faltar cerca de dois anos e meio para o final do quadro comunitário de apoio, não se pode aceitar que os apoios do PEPAC (Plano Estratégico da Política Agrícola Comum) ainda não estejam publicados, nem os apoios disponíveis para a indústria agroalimentar se poder posicionar com melhor eficiência e eficácia nos mercados externos.
Os políticos já estão discutindo e preparando o quadro de 2028-2034 quando o atual ainda nem saiu do adro.

Considera que fazia sentido voltar a ter uma entidade formal dedicada ao investimento, um pouco como fazia a SDEA (Sociedade para o Desenvolvimento Empresarial dos Açores) antes de ser extinta?

Nós não somos adeptos da criação de mais entidades públicas, desde que as atuais consigam corresponder e satisfazer os objetivos. A Direção Regional do Empreendedorismo e Competitividade pode perfeitamente desempenhar esse papel. Julgo que não temos falta de organismos públicos. Precisamos de sim de descentralização de algumas competências e aí todas as câmaras de comércio e indústria nos Açores podem ter um importante contributo nessa dinamização.

E quanto a áreas económicas centrais como os Transportes?

Uma das nossas preocupações é com os modelos de transporte aéreo, marítimo e terrestre. Os transportes coletivos terrestres continuam com problemas de desfasamento de horários face às necessidades das empresas e dos trabalhadores.

Nos transportes aéreos, continuamos com falta de planeamento para determinadas épocas, com determinadas festividades e eventos críticos. Continuamos com problemas de expedição de carga e nas acessibilidades interilhas. Teimamos sempre em reagir em vez de planear.

No que se refere aos transportes marítimos: se olharmos para o céu, vemos uma empresa pública insolvente que está a voar com aviões novos mas, se olharmos à superfície, vemos a sucata da Europa ancorada no porto. Trata-se de um sistema de transportes marítimos abastecido por três diferentes empresas privadas que geram lucros pouco significativos e que não conseguem sequer disponibilidade financeira para a renovação de frotas. Não havendo, por exemplo, apoios diretos à renovação das frotas, dever-se-ia pensar nas devidas compensações pelo verdadeiro serviço de obrigações de serviço público existente com vista a podermos ter frotas condignas, numa região que se diz sustentável e modernizada.

O porto de Ponta Delgada representa mais de 60% do comércio de mercadorias dos Açores e temos de alertar para a pertinência da sua boa operacionalidade para recuperar, por exemplo, tempo na carga e descarga de contentores. Do nosso ponto de vista, o porto não é feito apenas de quebra-mares e de reparações infraestruturais. Tem um reboque que tem quase 50 anos, está obsoleto, precisa de renovação, e precisamos de mais uma grua. Tudo isso acarreta problemas operacionais que acabam por ser transversais a todas as ilhas do arquipélago.

O Turismo também é um setor essencial na economia açoriana. Que desafios enfrentamos nessa área?

Quanto ao Turismo, consideramos que estamos a meio caminho da nossa fase de crescimento, mas muitas vezes discutimos o tema como se tivéssemos o copo a transbordar.

Do lado do Governo, há uma aparente dificuldade em ter dois discursos seguidos sem referir que os Açores são o primeiro arquipélago do mundo certificado como destino turístico sustentável. Muitas vezes, esquecem-se que essas qualidades já as tínhamos e vamos com certeza continuar a ter, mesmo que deixem de pagar por aquele famoso galardão, e que os turistas que recebemos não chegam cá pelo galardão - pelo menos a sua maioria - mas sim pelo trabalho dos operadores turísticos e pelo passa a palavra que nos enobrece.

Por isso, a promoção deve ser sempre feita a uma só voz, de forma integral para as nove ilhas, aceitando as potencialidades e especificidades de cada uma delas.

A anterior direção era contra a taxa turística. Qual é a sua posição nesta matéria?

Como sabemos, já está a ser aplicada em alguns concelhos [de São Miguel]. Julgo que, neste caso, deveria ser aplicada transversalmente aos Açores e nunca tendo alguns concelhos com taxas e outros sem taxas. Acho que faz sentido que fosse pensada no todo da Região, até para facilitar a cobrança.

Ao nível dos Açores, temos que ser ambiciosos naquilo que queremos. Mesmo em termos de camas, temos que querer chegar às 20 mil camas na hotelaria tradicional - atualmente temos 13 mil - em menos de uma década, nunca descurando a aposta na qualidade superior e na hospitalidade de referência para, de seguida, colocarmos novas metas em cima da mesa. Isto sempre em linha com os compromissos da sustentabilidade seja económica, ambiental, social e cultural e também de segurança.

Nesta área da segurança, a nova direção da CCIPD tem alguma proposta?

Nós fazemos parte do conselho de segurança municipal e vamos ser sempre uma voz ativa a esse nível em Ponta Delgada, como vamos ser também nos restantes concelhos e junto do Governo Regional. Sabemos que o tema é mais pertinente em Ponta Delgada do que noutros concelhos dos Açores, mas começa-se a alastrar também por mais ilhas. É um problema sério que não se resolve facilmente e temos que lembrar consecutivamente aos decisores políticos da necessidade de minimizar os impactos negativos causados.

Uma das batalhas da anterior direção da CCIPD tinha a ver com os atrasos nos pagamentos aos fornecedores por parte do Governo Regional. Esta preocupação vai manter-se com a nova direção?

Sem dúvida. Até estamos a pensar criar uma mesa para a área da Saúde, onde assistimos a maiores prazos médios e atrasos nos pagamentos do Governo. Temos que continuar atentos porque este é um problema e um fator de estrangulamento das empresas que trabalham com o Governo Regional.

De uma forma geral, que análise lhe merece o estado da atual economia regional?

A nossa economia, assim como a nacional e europeia, vive momentos mais difíceis. Sobre o momento atual de instabilidade económica derivada, por exemplo, das imposições tarifárias, não tenhamos ilusões de que todos vamos sair a perder. Estes impostos reduzem sempre as economias e até podem provocar recessões. Ninguém vai ficar melhor depois das novas tarifas.

Mas, do nosso lado, resta-nos esperar pela resposta da Europa, sem nos esquecer que temos uma Europa frágil, com guerras, com um papel incerto por parte do Reino Unido e com uma economia alemã, francesa e italiana débil e, ainda por cima, a necessitar de enormes reformas e investimentos em tecnologia, ao mesmo tempo que reparte os seus orçamentos com os investimentos na defesa que agora são colocados em cima da mesa. Por isso, não vislumbro um caminho fácil e a culpa também é europeia que descurou do essencial e sujeitou-se nos últimos tempos a ficar à mercê dos outros.

Contudo, isso também traz consigo oportunidades para inovarmos, crescermos, consolidarmos através do papel das nossas empresas, sempre com pilares de desenvolvimento regional. Julgo que quem melhor se possa ajustar nestes tempos difíceis poderá ter uma melhor capacidade de resposta.

Por isso, temos de continuar a promover o interesse das empresas para a consolidação e criação de valor. E vai ser com esse espírito de compromisso e de responsabilidade que aceitamos este novo desafio.

No fim de contas, nós queremos valorizar a nossa insularidade, com um verdadeiro efeito diferenciador e competitivo em mercados internacionais, maior valor acrescentado para os produtos e serviços e assim podermos aumentar as nossas exportações em mercados de maior criação de valor.

Outra valência da CCIPD é o ensino. O que prevê a nova direção para esta área?

Esse é um dos pilares desta casa e temos uma das mais ativas escolas de formação profissional, que tem um papel relevante na formação de ativos que vamos ter de reforçar. 

Não só temos de continuar a investir no ensino profissional, que cada vez tem um papel mais importante na Europa e que já teve um papel muito relevante nos Açores. Há necessidade de voltar a atribuir um papel de relevo nos Açores.

Mantém-se o projeto de fusão das escolas?

Do que sei, esse foi um desígnio que chegou a ser discutido com o Governo Regional e parece-me que pode não continuar o projeto de fusão das escolas. Não estamos preocupados com isso porque temos a nossa escola ativa e em crescimento e continuaremos a desenvolvê-la o melhor que pudermos. Mas tudo vai depender da tutela que vai ter de dizer o que pretende para o futuro das escolas profissionais da Região.

Qual será então o desígnio da nova CCIPD?

Queremos continuar a construir um futuro mais sólido, mais inclusivo e sustentável para a Região. Quanto aos nossos parceiros nas restantes ilhas, quero que saibam que a nossa porta estará sempre aberta para todos os entendimentos possíveis. Julgamos que os desafios e os constrangimentos e os obstáculos que nos unem são sempre muito mais fortes do que potenciais divisões que possam ser discordantes. 

A nossa união na resolução de problemas será sempre mais forte do que a fraqueza induzida por comportamentos que possam ser desamparados. Por isso, contamos com o apoio de todos os associados para continuarmos a ter uma força coesa e uma boa representatividade nas ilhas de São Miguel e Santa Maria, mas nunca descurando os Açores como um todo.












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