“A criatividade marcou muito o meu tempo e tive uma infância bastante feliz”

Padre Norberto Brum. Natural de Vila Franca do Campo, sempre quis ser padre, e aos 11 anos foi para o seminário em Ponta Delgada, uma mudança difícil que o fez perder o primeiro ano. Celebra 25 anos de sacerdócio no próximo mês de junho e é dos coordenadores que mais tempo esteve na frente de uma pastoral juvenil. Diz que é uma pessoa feliz e que vale a pena ser padre




Natural da freguesia de São Miguel, concelho de Vila Franca do Campo, e tendo crescido numa família cristã, padre Norberto Brum, desde muito cedo, que sabia o que queria ser. “Desde pequenino acompanhei os meus pais no seu percurso de fé, de comunidade. Os meus pais colaboravam na paróquia e em diversos movimentos, e eu também fazia parte”, conta-nos.

As memórias da sua infância são muito felizes, “sou o segundo filho de uma família normal, trabalhadora. Vivíamos muito a familiaridade. Os domingos eram passados em família. Íamos à casa dos meus avós, juntávamo-nos com a minha tia, com as minhas primas e todos fazíamos a festa”, recordando que na altura “tínhamos que ser muito criativos. De facto, a criatividade marcou muito o meu tempo, inventávamos os nossos brinquedos, as nossas brincadeiras. Mas foi uma infância bastante feliz, apesar de a minha mãe e o meu pai nunca terem sido daqueles pais

condescendentes no sentido de deixar fazer tudo”. O padre Norberto diz ainda que “éramos uma família pobre, não tínhamos aquilo que queríamos e lutávamos muito para ter as nossas coisas, até com a nossa casa”, referindo que “foi uma experiência bastante interessante a construção da nossa casa, porque trabalhamos todos - eu, a minha mãe, o meu pai e o meu irmão - fomos trabalhar com os mestres e vimos a nossa casa crescer. Isso fez com que fosse entendendo que a vida é este processo”.

Foi através da mãe - que trabalhou na Casa de Trabalho das Irmãs Maria Imaculada - que conheceu o Monsenhor Agostinho Tavares. “Identifiquei-me muito com ele”, confessando que o Monsenhor Agostinho Tavares e o padre José Maria Almeida, eram os seus ídolos. Aos 11 anos, “disse à minha mãe que queria ir para o seminário”. A ideia dos pais é que fosse para o Seminário de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, mas como tinha alguns amigos no Seminário do Santo Cristo veio para Ponta Delgada. Afirma que “apesar de ter vindo para Ponta Delgada de livre vontade, não foi fácil, porque foi quase um desenraizamento da família. Só ia a casa de 15 em 15 dias, depois passou de mês a mês, não havia autocarros de pouco a pouco como há agora, era uma realidade diferente”. Os primeiros tempos custaram-lhe e chumbou no primeiro ano, porque “estava habituado a estudar acompanhado. Tinha uma madrinha professora e todos os dias ia para a casa dela, portanto, estudava sempre com alguém, e ali tive que contar só comigo. Não foi fácil para mim esta passagem, mas depois a coisa foi engrenando, e conheci novos amigos de outras ilhas - foram horizontes que se abriram”, conta. Após terminar o 9.º ano, o padre Norberto tinha que tomar uma decisão, ou continuava no seminário ou iria para a universidade. Decidiu ir para o Seminário de Angra, e diz ter sido “uma vivência muito interessante, porque foi um segundo desenraizamento, ou seja, foi ter de sair da ilha e só vinha cá nas férias. Ao início foi um bocadinho duro, mas correu muito bem”.

Foi ordenado padre em 2000, e este ano, a 25 de junho, celebra 25 anos de sacerdócio. Esteve em algumas paróquias em Ponta Delgada, desde a Matriz como vigário paroquial, passando pelas paróquias dos Ginetes/Várzea/Feteiras, Santa Clara e “agora estou na paróquia de Fátima há oito anos e cá estarei até o Bispo querer”, afirmou, para sublinhar que “fizemos um trabalho em conjunto com o padre João Luciano, o padre Francisco Nelson e o padre Fernando Teixeira, durante três anos, e foi uma experiência muito proveitosa, porque juntamos as igrejas de Santa Clara e de Nossa Senhora de Fátima com a Clínica do Bom Jesus e as Irmãs Hospitaleiras”. Na sua paróquia são todos bem-vindos: “na Igreja de Fátima, ninguém ouve um ‘não’ à primeira. Aqui toda a gente ouve um ‘vamos ver’, ‘vamos pensar juntos’, ‘vamos conversar juntos’. Sobretudo aqui vamos acolher com muita alegria e simplicidade. Tentamos que as pessoas se sintam em casa, que levem alguma coisa de positivo e que queiram regressar”, afirmou.

Os bispos, D. Aurélio, D. António Sousa Braga, D. João Lavrador e D. Armando Esteves Domingues, fazem parte do seu percurso. Cada um com a sua personalidade, “cada um com a sua forma de ser e de estar, cada um com as exigências do  tempo”, disse acrescentando que o “D. Aurélio foi quem me ordenou padre. Ele apanhou tempos difíceis, o 25 de Abril, o sismo de 80. O D. António era uma pessoa humilde, com muita simplicidade e ‘abriu’ a diocese. O D. João veio para os Açores mas, se calhar, o seu coração estava no continente, porque tinha lá os pais e percebíamos que era um bispo de transição, mas deu um ‘empurrão’ na caminhada sinodal, procurou colocar a diocese em maior movimento”, disse o padre Norberto. Já sobre D. Armando, refere ser “um homem de surpresas, de muita simplicidade e humildade. É uma pessoa muito próxima, que tem uma empatia muito grande, que tem ideias, que quer renovar e colocar os leigos em ação. Quando cá chegou disse que queria uma ‘Igreja de portas abertas’, e isso diz muito da pessoa que é”.

Saliente-se que o padre Norberto é dos coordenadores com maior longevidade numa Pastoral Juvenil. Passou o ‘testemunho’ no final do ano passado porque “estava na altura de mudar e temos agora uma nova equipa liderada por uma leiga, a Gisela Baptista”. A sua passagem pela Pastoral Juvenil teve muitos momentos marcantes, um dele e mais recente foi a Jornada Mundial da Juventude. Como coordenador do Comité Organizador Diocesano de Angra da JMJ Lisboa 2023, o padre Norberto realça que “foi uma experiência extraordinária e inesquecível. Foi um grande trabalho de equipa e uma vivência estrondosa”, frisando que “nem que seja por aqueles ‘todos, todos, todos’ que o Papa Francisco disse na cerimónia de abertura valeu a pena ir às JMJ”. 

Contudo, diz-nos que a JMJ “começou muito antes, com reuniões mensais no continente, com todo um trabalho de preparação, de dinâmica na própria diocese e ficamos bem referenciados, porque os Açores são vistos como umas ilhas ‘lá no meio do mar’, sempre se falou muito pouco dos Açores, e todos os meses fiz questão de estar presente nas reuniões”. Conta ainda que D. Armando Esteves Domingues “foi excecional. A ideia de subir a montanha do Pico foi dele. Subimos a meio tarde e já lá em cima, naquela noite, conseguimos que em todas as ilhas houvesse uma celebração à mesma hora, com as mesmas orações e leituras. Foi um momento de união muito grande”. Depois, a “semana do evento continuou a ser uma semana de trabalho. Posso dizer que vivi a JMJ depois das jornadas. Mas estivemos em todos os momentos, estive muito próximo do Papa Francisco, levei a cruz lá no recinto. Quando regressei fui ver tudo na televisão”. 

Sendo uma pessoa de desafios, abraçou mais um, a direção da Casa do Gaiato de São Miguel. Relata que não sabia que o padre Fernando, que considera “um pai, um avô, uma presença amiga, um colega”, tinha apontado o seu nome ao Bispo “e um dia o padre Fernando descaiu-se”. Aceitou, mas “ainda não entrei a 100 por cento. Estamos num processo gradual de transição”. Refere que o trabalho feito pelo padre Fernando é para continuar, mas também “vamos reforçar esse trabalho, de proximidade com as famílias, com a comunidade e sobretudo desmistificar o termo ‘Casa do Gaiato’. São pessoas como nós, são crianças muito queridas e são parte da comunidade”. O padre Norberto finaliza afirmando que “sou muito feliz e vale a pena ser padre”.

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