Nos Açores não existe nenhuma companhia profissional de teatro, mas existem muitos grupos e associações de teatro amadores espalhadas pelo arquipélago que partilham um objetivo em comum: a promoção desta arte cénica junto da comunidade açoriana.
Grande parte destes grupos já existe há décadas. Apesar de enfrentarem realidades diferentes devido às delimitações geográficas bem como às especificidades de cada ilha, continuam a ter de ultrapassar muitos desafios em comum.
De forma a perceber estas realidades, o Açoriano Oriental contactou cinco grupos e associações de teatro de cinco ilhas: nomeadamente São Miguel, Terceira, Graciosa, Flores e Corvo.
Com mais de quatro décadas a operar em São Miguel, A Pontilha – Associação Cultural e Desportiva da Ribeira Grande, realizada atividades ligadas à cultura e ao desporto.
Somente no grupo de teatro, contam com 12 membros, que promovem dois espetáculos por ano, mas também colaboram noutros eventos como a Feira Quinhentista.
Para além disso, têm uma oficina de teatro infantil que conta com “cerca de 14 miúdos”, explica a presidente da associação em entrevista ao Açoriano Oriental.
“Esta oficina teve início no começo do ano letivo em 2023 entretanto tem crescido, de maneira que os miúdos também já participaram no espetáculo de Natal o ano passado. Este ano vão ter o seu próprio espetáculo em junho”, afirma Filomena Gonçalves, adiantando que tentam sempre apelar a mais pessoas a integrar o grupo de teatro de adultos.
“Nós organizamos uma aula aberta anual que serve para fazermos alguns exercícios teatrais em conjunto. A partir daí fazemos um convite às pessoas que quiserem permanecer no grupo, que estamos a trabalhar em determinado projeto e que, se for do interesse delas, podem continuar connosco”, constata a presidente da associação, salientando que APontilha é “um grupo de teatro amador que trabalha com a comunidade e em prol da comunidade”.
Questionada sobre o maior obstáculo que enfrentam neste momento, realça que é manter as pessoas ativas no grupo. “Não
sendo um trabalho remunerado, sendo uma coisa que as pessoas fazem por
gosto, é perfeitamente normal que a certa altura ou percam interesse ou a
disponibilidade não ser a mesma ou vão optando por outros projetos.
Portanto, às vezes, fica difícil manter os grupos coesos e sempre com o
mesmo número de pessoas a trabalhar. Diria que, neste momento, a nossa
maior dificuldade é esta”, explana.
Alpendre é o grupo de teatro mais antigo dos Açores
Na segunda ilha mais populosa dos Açores fica sediado o Alpendre - Grupo Teatro, o mais antigo grupo de teatro dos Açores, que celebra 50 anos em 2026.
Apesar da sua longevidade, o Alpendre “já passou por vários desafios”, indica, ao Açoriano Oriental, o presidente do grupo, sendo que o maior que enfrenta, para além da questão monetária que, na sua ótica, “está cada vez está pior”, é relativo aos recursos humanos, neste caso associado à “disponibilidade das pessoas para fazerem andar este enorme barco que é o Alpendre, uma associação com cerca de 50 anos e com mais de 110 peças desde a sua fundação”, sustenta Markus Trovão.
Não obstante este problema, o presidente do Alpendre diz que encontra sempre uma grande adesão dos jovens ao teatro, na ilha Terceira. Isto também porque, desde 2020, o Alpendre está “envolvido num projeto numa escola onde fundou um grupo de teatro escolar”, sublinha.
“Este grupo ainda existe. Ainda vamos buscar jovens para ir para o palco em peças do Alpendre, os jovens estão no teatro. Apesar de muitas pessoas dizerem que não querem - não vou dizer que a grande maioria vai ao teatro - vê-se na plateia muita malta jovem, praticamente de todas as idades”, esclarece o presidente do Alpendre.
Com o passar dos anos, de acordo com Markus Trovão, o Alpendre “continua com a sua identidade” e é um grupo que “está sinalizado nas ilhas todas e tem uma força, tem um nome muito grande”, destaca.
E acrescenta: “Percebo isso quando viajo e
vou trabalhar com outros grupos, que nós falamos Alpendre e as pessoas
sabem quem são o Alpendre. Felizmente não ficámos só pela ilha
Terceira”.
A Semente que floresce o teatro na ilha Graciosa
Também localizado no grupo central, o grupo de teatro A Semente foi fundado em 1994, e é atualmente o único grupo de teatro desta ilha em atividade.
Nos finais dos anos 90, o grupo ficou algum tempo sem realizar teatro, tendo retomado a atividade regular em 2002, devido a “um grupo de amigos que também tinham o gosto pela representação teatral”, indica um dos fundadores do grupo e membro da direção ao Açoriano Oriental.
Em 2013, muda de nome para Grupo de Teatro A Semente - Associação Cultural da Ilha Graciosa, porém, para Jorge Cunha, a “vida não está fácil” para um grupo totalmente amador porque, na sua perspetiva, só com “muita vontade e gosto pelo teatro é que o grupo consegue manter a sua atividade”.
O motivo, para além da adversidade em conseguir “disponibilidade de tempo para os ensaios dos atores e atrizes, para reunir todos nomesmo dia, hora e local”, está relacionado com um desafio financeiro que lhes “impede de realizar uma Temporada ou Festival de Teatro anual com a participação de outros grupos de teatro do exterior”, confessa.
“Anualmente, realizamos a Temporada de Teatro
da Ilha Graciosa, onde já participaram dezenas de grupos do Continente,
dos Açores, de Espanha e do Brasil. Este ano, devido a falta de apoios,
adequaremos a nossa Temporada aos meios financeiros que dispomos”,
lamentou, referindo que “convidar grupos do exterior tem custos ao nível
das passagens aéreas, alojamento e alimentação”, que neste momento não
são suportáveis pel’A Semente.
Jangada contorna desafios para fazer teatro nas Flores
No grupo ocidental, nas Flores, numa ilha com aproximadamente quatro milhares de residentes, o grupo de teatro A Jangada existe há cerca de 40 anos. Face à dimensão da ilha, sobressaem-se dificuldades em termos de arranjar pessoas para colaborar.
“Nós temos um núcleo duro, mas que não deve ultrapassar as 20 pessoas e depois todo o restante elenco são pessoas que vamos falando e conquistando para alguns trabalhos”, conta a presidente do grupo ao Açoriano Oriental, frisando que o grupo vive “um pouco” dos profissionais que vêm trabalhar para a ilha, desde enfermeiros a polícias, por exemplo.
Todavia, fazem uma peça infantil destinada aos jovens florentinos e às escolas, para que possam criar o ‘bichinho’ do teatro, com o intuito de os motivar e fazê-los ganhar o hábito de ir ver teatro, de forma a tentar manter esta tradição de algo “que é muito próprio da ilha”, valoriza a presidente.
Efetuam cerca de quatro espetáculos por ano, mas o ideal seria “fazer mais projetos”, expõe Lília Silva, admitindo que sente o peso das descidas em termos populacionais da ilha e que “não é fácil ter elenco suficiente para alguns trabalhos”.
Este é apenas um de vários desafios que têm de lidar no dia a dia, uma vez que também não têm a sua sede própria, quer para ensaios, quer para a apresentação das peças de teatro, o que requer a ajuda da Câmara Municipal.
“Andamos sempre a fazer pedidos para conseguir ter os espaços e para conseguir levar a cena as nossas peças”, assinala Lília Silva, exemplificando que outro constrangimento é a nível de materiais para as roupas e para os cenários.
“Nem sempre é fácil, até porque não há aqui na ilha quem venda tecidos e nós necessitamos para as roupas. Temos sempre que encomendar com alguma antecedência e temos de prever mau tempo para ter a certeza que chegam atempadamente à ilha”, declara, revelando que levam a cena todos os anos a ‘Revista à Portuguesa’, e que são “sempre 25 a 35 elementos envolvidos”.
“É muita gente, muita roupa, cenário”, constata, reforçando que o grupo está “sempre a fazer ginástica” de forma a poder apresentar todos os trabalhos.
“Nós pensamos na nossa ilha, na sua
dinamização culturalmente, o que tem e o que é importante manter. Numa
terra onde cada vez somos menos, a tendência é ir fechando as portas às
diferentes coletividades. É com persistência e, de certa forma, por
carolice que muitas vezes levamos a cena alguns trabalhos que, como
disse, andamos aflitos para ter determinados elementos para o cenário”,
conclui Lília Silva.
Também se faz teatro na ilha açoriana mais pequena
Logo ao lado, na ilha mais pequena dos Açores, também se faz esta arte, através do grupo de teatro Os Escarépios, que integra a Associação Corvo Vivo.
Ao Açoriano Oriental, a presidente desta associação relata que a mesma foi fundada em agosto de 2020, mas o grupo já em 2019 existia, embora de forma informal.
Tudo começou com uma ação promovida pelo Ecomuseu do Corvo, que levou, durante três semanas, o ator e encenador Pedro Giestas à ilha, para “fazer um workshop de escrita criativa, criação de cenários e figurinos e trabalho de ator”, recorda Andreia Silva.
“Dessas três semanas de trabalho ficou a ideia de que poderíamos fazer algo com aquele conhecimento que obtivemos com ele”, continua a presidente da associação, exaltando que isto culminou na apresentação de uma peça numa igreja, que foi muito bem recebida pelas pessoas. “Foi muito engraçado e as pessoas aderiram muito bem”, garante.
No entanto, e tal como nas Flores, surgem vários contratempos, como o núcleo do grupo ser pequeno (cerca de meia dúzia de pessoas), o guarda-roupa, os cenários e até o equipamento técnico. Faltam também atores, um encenador e uma sala da espetáculos, elenca Andreia Silva, que por vezes solicita ajuda à Jangada, grupo a que também pertence.
Se isso não fosse suficiente, “não há também financiamento”, algo que “torna as coisas um pouco mais difíceis”, prossegue a presidente da Associação Corvo Vivo.
“Tem sido uma luta, como é de esperar, como estamos a falar de uma comunidade pequena onde o teatro é uma coisa nova. Embora as pessoas enquanto público adiram muito bem - e as poucas coisas que conseguimos fazer temos sempre salas cheias - a verdade é que é muito difícil fazer este trabalho quando as pessoas que estão envolvidas não têm grande conhecimento”, reconhece Andreia Silva, reiterando que não existe alguém que “vá de vez em quando trabalhar connosco e ajudar a melhorar e a ver como é que a gente pode fazer”.
Nos últimos meses não tem sido possível avançar com o teatro na ilha do Corvo como desejavam, mas Os Escarépios pretendem trabalhar para “fazer alguma peça este ano”, contudo, a presidente da associação reflete que “é sempre muito difícil”.
De um modo geral, todos estes grupos e associações nestas e noutras ilhas apresentam um problema crucial, ter verbas para avançar com estes projetos.
Têm as suas próprias receitas
através da venda de bilhetes para os espetáculos e contam
financiamentos variados, provenientes de juntas de freguesia e
autarquias, mas também passando por fundos regionais, da Direção
Regional da Juventude e a da Cultura, e de nacionais, oriundos da
Direção Geral das Artes.
Existe, inclusive, alguns grupos que já desistiram de procurar algumas destas verbas, por se tratarem de processos burocráticos longos, sendo que além disso uma vez que o apoio concedido é pouco, vem tarde ou simplesmente não vem.
Não obstante estas dificuldades, as palavras ‘luzes, palco, ação’ não deixarão de ser proferidas no arquipélago açoriano. Com menor ou maior quantidade de luzes, em palcos de menor ou maior dimensão, com pouca ou muita ação, o espetáculo continuará, e o teatro nunca deixará de existir nos Açores, fruto da paixão de quem dá continuidade a esta arte, seja por detrás dos cenários, quer nos próprios palcos, dando vida a inúmeras personagens.