Escritor, baleeiro, professor do ensino primário e do ensino técnico, José Dias de Melo teve uma longa carreira, com mais de três dezenas de livros publicados. Um centenário depois do seu nascimento, na próxima semana, será possível obter uma visão mais íntima da história de vida deste escritor, ao ver, numa exposição, manuscritos e datiloscritos que escreveu, mas também contos dedicados aos seus netos, muitos documentos históricos e fotografias - algumas das quais o mesmo tirou, ou mesmo os seus cachimbos, objetos emblemáticos associados à sua figura.
A Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada (BPARPD) está a promover a exposição “Dias de Melo: fumo do meu cachimbo”, que será inaugurada a 23 de abril, às 18h00, neste mesmo espaço, e que ficará patente até a 7 de novembro.
Em declarações ao Açoriano Oriental, a diretora desta instituição indica que a exposição foi realizada de forma a comemorar o centenário do nascimento do escritor, referência incontornável da cultura açoriana.
Segundo Iva Matos, a mostra começou a ser planeada no final do ano passado, após homenagem a Borges Coutinho, tendo depois contactado a filha e neta de Dias de Melo, Edna e Patrícia Dias de Melo, respetivamente, que têm a maior parte do arquivo pessoal do escritor natural da ilha do Pico.
Não obstante, a BPARPD já detinha um depósito feito por esta família, especificamente a biblioteca particular de Dias de Melo, muitas dezenas de livros que o próprio leu.
Este depósito foi feito em 2019, de forma a guardar este acervo, para que não fosse perdido e para acautelar a documentação. Porém, somente no ano passado é que foi assinado o contrato depósito.
Para a exposição, foi entregue, também de forma temporária, um conjunto de documentos, fotografias, e também objetos do escritor, com o apoio da sua neta Patrícia Dias de Melo, que é também coordenadora científica da exposição.
“Ela é que nos vai emprestando estes documentos de arquivo, que digitalizamos e vamos pondo na exposição, alguns originais e outros digitalizados”, explica a diretora da BPARPD.
Foram entregues, de forma temporária, a esta biblioteca pública, fotografias e livros de Dias de Melo, mas também um conjunto diverso de objetos que lhe pertenceram, como vários cachimbos, uma máquina de escrever, uma câmara fotográfica, ou até arpões para a baleação e a sua toalha de batismo.
Estes documentos e fotografias recebidos para a exposição passam primeiro por um processo de restauração, sendo que é feita uma pré-seleção para a conservação das fotografias, quer por tamanho, quer por temáticas, por exemplo, que posteriormente são digitalizadas. Deste modo, as pessoas que visitam a BPARPD podem posteriormente ver estes ficheiros já digitalizados.
Não obstante, apesar do trabalho de restauração feito por esta instituição, há fotografias que se encontram já num estado avançado de deterioração, o que revela a necessidade de, cada vez mais, salvaguardar este tipo de património. Além de parte do arquivo pessoal de Dias de Melo, a BPARPD conta com o seu próprio acervo do escritor, tendo em consideração duas doações que foram efetuadas no final do ano transato.
“O arquivo de uma pessoa às vezes está espalhado em vários sítios. Parte está na casa onde sempre viveu, mas deu algumas coisas a outras pessoas”, afirmou Iva Matos, acrescentando que Amaro de Matos é uma destas pessoas.
Depois de saber que estava a ser preparada uma exposição sobre José Dias de Melo, Amaro de Matos, que recebera vários manuscritos do escritor picaroto, decidiu doar estes mesmos documentos a esta instituição.
Um destes datiloscritos que recebeu tem a particularidade de referir-se ao título que acabou por ser editado como ‘Os Tempos Últimos’, mas que inicialmente foi intitulado de ‘O Muro Amarelo’. Conforme é possível ver na imagem em cima, este datiloscrito contém uma dedicatória a Amaro de Matos, que recebeu este primeiro original da obra.
Paralelamente a todo este conteúdo já referido, a
exposição englobará ainda outros elementos de arquivos pertinentes que
complementam a história de vida do escritor açoriano.
Recorde-se que José Dias de Melo nasceu a 8 de abril de 1925 na Calheta de Nesquim, no Pico, e morreu em Ponta Delgada, aos 83 anos.
‘Desastre no Canal’ foi a sua primeira aventura na escrita que deu origem à obra ‘Mar pela Proa’, sendo ‘Toadas do Mar e da Terra’ (1954) a primeira incursão na poesia.
A sua longa carreira conta com uma obra eclética de mais de
30 livros publicados. Fez recolha etnográfica, que se reflete na sua
escrita (como em ‘Na Memória das Gentes’, de 1990 e 1992), publicou
romances, contos, poesia, crónicas e relatos de viagem.
Centenário de José Dias de Melo pode suscitar maior interesse de investigadores
Tal como aconteceu com Natália Correia, o centenário de Dias de Melo pode resultar num maior interesse de investigadores nacionais, mas também estrangeiros, indica a diretora da BPARPD.
Quanto maior for o arquivo
desta instituição, será possível abranger uma maior realidade do
escritor, uma vez que os investigadores poderão não só ter acesso às
suas leituras, mas também aos documentos que produzia e recebia, algo
que, para um investigador, “é fundamental”, sublinha Iva Matos.
BPARPD recebe oficina de escrita com Nuno Santos
A Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada vai receber a oficina de escrita ‘Escrever com Dias de Melo’, que contará com a presença de Nuno Costa Santos, nos próximos dias 21 e 22 de abril, das 18h00 às 20h00.
De acordo com nota de imprensa desta instituição, para participar nestes dois dias da iniciativa, que é gratuita, é necessário proceder a inscrições. Nuno Costa Santos, que se tornou próximo de Dias de Melo - depois de lhe ter feito uma entrevista para a revista (capa da edição de Primavera de 1999) - orientará as sessões em que se partirá de textos do autor de e para se pensar a literatura e experimentar modos de transformar a vida, a memória e a geografia em matéria criativa e literária.